Curandeirismo – prof. Ronald Felipe
O
professor Ronald Felipe Barreto de Sousa, licenciado em história pela
Universidade Estadual do Ceará escreveu sua monografia de conclusão em 2015 “O
Curandeirismo na Cidade de Jaguaruana”. Duas pessoas foram fundamentais para este
trabalho, dona Maria Simão de 97 anos, moradora em Giqui, e o seu Zacarias, 90 anos
e mora no Antonópolis.
O
que o levou a pesquisar esse assunto?
A contribuição para com a História de minha cidade,
porque tem muita coisa a ser estudada por um profissional da História, um
historiador. E outra coisa importante, o privilégio de contar e registrar a
vida dessas pessoas e suas práticas.
Que
importância você dá a esse fenômeno?
É um objetivo da pesquisa,
porque eu estudando esse tipo de prática em Jaguaruana, serei capaz de deixar
registrada a história daquelas pessoas. Elas não vão apagar, nossa memória é
seletiva e ao longo do tempo vamos perdendo. Tudo que está escrito não se
perde, mas aquilo que está na memória apenas, vai se perdendo quando morremos. Daí
a importância, tanto para a História de Jaguaruana, como para a História
daqueles indivíduos.
Dona Maria Simão além de ser
curandeira era também parteira, e tinha um título concedido pela FUNASA
(Fundação Nacional da Saúde) legitimando-a curandeira. Esta fez um curso de
seis meses em Fortaleza para ser curandeira e parteira principalmente. Daí ela
me disse: “Meu fí quando chega aquele dias de agosto pra dezembro, que é o
tempo que as muié tem mais fí, o médico mandava me buscar lá em casa num carro
velho do hospital de Russas e ia me pegar lá no Giqui e eu passava duas, três semanas
lá no hospital de Russas, tirando menino. Aí eu chegava lá e ele dizia assim: ‘Oh
dona Maria, as muié é tudo sua, a senhora faz o que quiser, que eu cuidar do
outro povo que tá tudo cheio de doença”. Ela que era a parteira e o médico dava-lhe
total legitimidade.
A maioria das pesquisas que
falam do curandeirismo como prática popular, não tem ciência. O saber médico se
separa do curandeirismo. Os médicos criticam curandeiros e dizem que eles são
charlatães, tanto é que em inglês se diz charlatanist. Então é posto que essa
prática é uma prática marginal, que a medicina é superior, é melhor e tal.
Como
as pessoas veem o curandeirismo?
Vemos que há pessoas que dão
importância muito grande. Tem gente que vai primeiro no curandeiro por achar
que aquele problema que estão passando é mais simples de resolver com
curandeiro. Aparece uma ronchazinha na perna, uma queimadura, espinhela caída,
para evitar excesso de gente nos hospitais. Acreditam que coisas mais simples
são mais fáceis de curar com uma folha, um chá do que fila, diagnóstico de
médico, injeção... Quando o curandeiro demora muito, aí eles procuram um
médico.
Ainda
hoje existe essa procura?
Sim, ainda hoje. Faz um
tempo que tô afastado delas, mas até o final da pesquisa havia uma procura
muito grande. Esses dias fui ao Zacarias levar minha mãe que estava com dor no
pescoço, torcicolo. A o chegarmos lá somos pegos com a sua simplicidade,
puxando enxada às 4:30 da tarde, rasgando a terra para plantar, um senhor já
idoso. Então ele disse: “Minha fia coloque sua cabeça nesse negócio aí” (uma
canga de animal em cima da cerca do quintal). Mamãe botou a cabeça, ele puxou
de um jeito, puxou de outro, pegou assim... A mamãe disse: “Meu Deus do céu, já
fiquei boa, senti um negócio mexer diferente. Fomos mais três dias seguidos.
Ao final das curas, os
curados dão alguns agrados aos curandeiros e analiso isso também, se há
charlatanismo, venderiam suas curas por altos preços, mas são valores ínfimos,
um quilo de arroz, um quilo de peixe, um refrigerante, um bolo.
Após
a sua pesquisa, quais reflexões você faz?
Depois da pesquisa, fiquei
apaixonado pelo assunto. As vivências que tive com essas pessoas foram muito
importantes. Eu percebi pessoas pobres, de vida sofrida, mas que tem a
perspectiva de contribuir de alguma forma. Mesmo com um saber não
institucional, diferente de médicos, tem grande importância dentro da
sociedade, elas têm uma forma de contribuir. Pude perceber que essa pessoa tem
destaque sim que nós de Jaguaruana reconheçamos o trabalho delas. História que
não está escrita se perde. E a História tem que enfatizar a contribuição do ser
humano para a sociedade. O que é ser o homem num contexto social?
Ronald Felipe Barreto de Sousa é graduado em História pela UECE, autor de artigos e sua monografia sobre curanderismo e professor desta disciplina desde 2014.
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